Facebook e Cambridge Analytica no Brasil

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Quando acedemos ao Facebook, procuramos naturalmente conteúdos que nos agradem, nos entretenham ou tenham algo a ver com a nossa vida diária. Uns procuram fotos de bebés, cãezinhos ou gatinhos, outros preferem frases inspiradoras e ainda há aqueles que gostariam de saber quantos filhos vão ter ou o dia em que vão morrer.

Tudo isto parece muito inocente, mas o que você diria se soubesse que tudo isso tem influência nas eleições no Brasil? Parece improvável, não?

Com as eleições brasileiras chegando e todo o povo brasileiro esperando para saber quem será o seu próximo líder, todo o cuidado é pouco para garantir que a eleição é justa e informada. A controvérsia que surgiu em relação ao Facebook e à recolha de dados e manipulação dos seus usuários veio trazer insegurança e desconfiança em relação aos resultados dessas eleições.

A verdade é que o Facebook tem vindo a recolher dados sobre seus usuários que lhes permitem colocar estrategicamente anúncios relevantes, analisando as suas curtidas, comentários, páginas visualizadas e até posts criados mas nunca publicados.

E aqueles testes inocentes e sem nexo que lhe aparecem, como descobrir com qual celebridade se parece mais, por exemplo (e não, você não é assim tão parecido com o Brad Pitt, lamento…), também têm como objectivo traçar um perfil de você e de seus amigos também. Como isso acontece, então?

O início da polémica

Em Junho de 2014, um professor da Universidade de Cambridge, Aleksandr Kogan, liderou um grupo de cientistas sociais na criação de um teste de personalidade chamado “thisisyourdigitallife”, que, através de uma aplicação no Facebook, foi feito por 270 mil usuários.

Este teste acabou por atingir 50 milhões de pessoas, pois permitia o acesso tanto às informações de quem utilizava aplicação como também a todos os seus amigos de Facebook. Esses amigos não usavam a aplicação, logo não consentiam no uso de seus dados.

Entretanto a empresa de Kogan, Global Science Research (GSR), tinha sido contratada para repassar a informação que obtivesse à Cambridge Analytica, uma empresa controversa de “análise de dados” (que faz claramente muito mais do que isso), que tinha investido em publicidade para que a aplicação aumentasse o número de usuários, e que acabou por usar essa informação para influenciar a eleição nos EUA. E como o fizeram?

A Cambridge Analytica analisou e utilizou a informação que obtiveram para criar e comprar anúncios altamente dirigidos aos usuários, que foram usados para influenciar as eleições de 2016 dos EUA, bem como potencialmente para outros debates e eleições importantes.

Os executivos da companhia afirmaram que a Cambridge Analytica esteve envolvida em outras eleições em todo o mundo, incluindo o Reino Unido, Argentina, Índia, México, Nigéria, Quénia e República Checa.

Em 2015, sem ter necessariamente relação com este incidente, o Facebook modificou as suas regras para proibir desenvolvedores de acederem à informação pessoal dos amigos dos usuários que autorizassem as aplicações.

Mais ou menos na mesma altura, pediram à Cambridge Analytica para apagar a informação que tinha sido colectada através do teste de personalidade “thisisyourdigitallife”. A empresa supostamente afirmou ter apagado a informação, não sendo claro se o Facebook tomou alguma acção para garantir se isso era, de facto, verdade.

No início de Março deste ano, o Facebook suspendeu as contas da Cambridge Analytica e da sua empresa-mãe, a Strategic Communication Laboratories (SCL), graças a um informador que alertou para o facto de que os dados recolhidos nunca tinham sido apagados e tinham sido deixados desprotegidos.

Ao mesmo tempo, a conta de Facebook do informador foi suspensa, bem como a de Aleksandr Kogan e a do grupo Cambridge Analytica. O Facebook avisou também os jornalistas a reportarem a história que a empresa poderia potencialmente entrar como uma acção legal.

América Latina

O abuso da plataforma do Facebook com objectivos políticos é um problema que não acaba na fronteira dos EUA. Governos à volta do mundo continuam a debater-se com as implicações da aquisição de dados de usuários por parte da Cambridge Analytica. Esta polémica espalhou-se desde a Europa até às capitais dos países mais populosos da América Latina.

Na América do Sul, a história ainda está a ser escrita, com muitas investigações a decorrerem acerca das situações de falhas na privacidade dos usuários do Facebook. Algumas democracias latinas estão também a começar a investigar se os dados recolhidos através da Cambridge Analytica (CA) e associados foram usados nos seus processos eleitorais.

Cambridge Analytica no Brasil

O Gabinete do Procurador Geral Brasileiro começou uma investigação para clarificar se a Cambridge Analytica (CA) teve acesso ilegal à informação privada de milhões de brasileiros através de uma sua subsidiária, uma empresa de consultadoria baseada em São Paulo chamada de A Ponte Estratégia Planejamento e Pesquisa LTDA.

Esta investigação veio como resultado de afirmações proferidas pelo Diretor de Marketing da Cambridge Analytica, Mark Turnbull, e pelo Dr. Alex Tayler na presença de um jornalista à paisana, que revelaram que a companhia tinha agora como alvo o Brasil, entre outros países. O caso do Brasil é muito importante para o Facebook, pois é o seu terceiro maior mercado e tem uma eleição próxima, em Outubro de 2018.

Veio então à luz que, à semelhança do que havia acontecido em outros países, a empresa Cambridge Analytica formou uma parceria com o publicitário brasileiro André Torretta, que tem mais de 20 anos de experiência em campanhas políticas, para que fosse criada a CA Ponte.

Esta empresa foi anunciada no final de 2017 e constituída oficialmente em Fevereiro deste ano. De acordo com o publicitário, foi negociada uma parceria com a empresa britânica para que pudesse ser usada a sua tecnologia de segmentação de mensagens dos usuários, estando tudo pronto para arrancar a tempo das eleições de Outubro.

Segundo ele, no entanto, o tipo de envio de mensagens em redes sociais que teve um grande impacto na eleição norte-americana não teria o mesmo efeito na brasileira, já que os perfis dos usuários de redes sociais brasileiras não são tão bem definidos como os das americanas.

Para contornar esta situação, já tinha sido criado um sistema diferente, garantindo o envio de informações a certos perfis de eleitores brasileiros com um discurso adaptado ao posicionamento político do destinatário, variando de moderado a radical.

No dia 20 de Março, e à luz desta controvérsia, Torretta afirmou que o projecto será suspenso.

Protecção de Dados: o futuro do Facebook

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Em resposta à controvérsia da Cambridge Analytica, e em nome da protecção de dados e da privacidade dos usuários de redes sociais, várias organizações latino-americanas enviaram uma carta aberta ao fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, pedindo-lhe que adopte o Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD) como uma referência para os serviços que a rede social proporciona a nível mundial. É também requerido que estas medidas sejam tomadas, reforçadas e cumpridas.

É também importante que nós, os usuários das redes sociais, estejamos atentos e que, da próxima vez que decidirmos aceitar pedidos de aplicações, quer de Facebook, quer de outras redes sociais, percamos uns minutos a ler o que isso implica para a nossa privacidade e para aquela dos que nos rodeiam.

O Futuro Brasileiro

O povo brasileiro quer e merece uma eleição justa e democrática. Não precisamos que pensem por nós ou que nos manipulem.

O facto de esta questão ter sido descoberta, levanta também outras questões. O que será que se passa ainda debaixo de nossos narizes? Será que esta espécie de espionagem política continua e só descobrimos a ponta do iceberg?

Assim, temos que pensar por nós, ter mais cuidado com o uso que fazemos das redes sociais e, acima de tudo, estarmos informados e atentos, para que possamos escolher nosso futuros líderes com sensatez e conhecimento.

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Fontes

AccessNow, Folha, TechCrunch, Correio Braziliense